O sonho de toda a cidade, da metrópole à localizada no mais distante rincão neste mundo de meu Deus, é ter a honra de contar com a minha presença em sua área mais nobre. Em minha casa os pássaros têm liberdade para cantar, fazer seus ninhos e demonstrarem o quanto são felizes com o pouco que possuem, além de deixar aqueles que se auto classificam como humanos muito alegres com suas melodias incomparáveis.
Mas em uma conceituada cidade interiorana onde tudo pode acontecer, minha vida corre risco. Pela segunda vez, diga-se de passagem. E agora de forma definitiva. Ao que tudo indica aquela voz guardiã que outrora me defendia, fez do silêncio a sua marca registrada. Pelo menos, momentaneamente, mas fez. Porém, antes disso, vou contar a minha trajetória desde o início. Vamos lá, então.
A cidade em que me deram a honra de nascer traz o seu passado como nome em uma história um tanto quanto desconhecida. Mas em nada a fica a dever no quesito importância para quem me ama de verdade. Nasci ainda no fim do segundo milênio da era Cristã e com muita honra me deram o nome de uma pessoa que, em vida, soube honrar a sua biografia em prol da principal substância líquida de todas as manhãs brasileiras. Quando um piloto de primeira viagem desprovido de graça retirou o que era devoção para muitos, continuei lutando com a ajuda de quem realmente me defendia. Que ousava e tinha a minha história como um patrimônio. Tombado não, de pé, pensava eu.
Cresci junto com os meus conterrâneos e fiz a alegria de muitos. Meu espaço foi palco de grandes eventos. Famosos e desconhecidos. Grandes e pequenos. Adultos, jovens e crianças. Todos, sem distinção tinham um grande carinho por mim, mesmo não pronunciando o meu nome de forma exata, sabiam da minha importância e até faziam ligação com uma de minhas melhores vizinhas. Em minhas instalações casais se conheceram e famílias começaram a ser construídas. Encontros, desencontros e reencontros aconteceram tendo apenas eu como testemunha. Estudantes adquiriram mais conhecimento em minhas instalações. Em época de Copa do Mundo eu fazia a festa da torcida com enfeites que agradavam muita gente. Fim de ano era uma festa. Fui palco de atrações históricas e sempre retribui com gratidão desejando um Feliz Natal a quem pudesse me contemplar e hoje o que eu ganho é o oposto do que eu sempre ofereci.
Os tempos passaram e o terceiro milênio chegou. Em nome de interesses momentâneos, fui, literalmente, jogada ao vento. Todavia, assim como ocorreu com a lendária Fênix, ressurgi das cinzas, nasci e comecei a seguir o curso normal da vida. Pensei apenas em três coisas: nascer, crescer e produzir os meus frutos. Mas os humanos, sempre eles, claro, com honrosas exceções, diga-se de passagem. Disseram que, assim como lhes foi determinado, eu deveria partir para a próxima etapa, sem ao menos despedir-me de uma geração que tanto me amou. O verbo está no passado, mas há uma razão. Parece que na atualidade ninguém se importa comigo. Não tenho direito nem de mudar de endereço para continuar existindo para quem cresceu junto comigo.
Tive nome e sobrenome. Talvez ainda tenha. Mas, para falar a verdade, nem sei como quem faz e acontece me vê, se é que ainda me enxerga. Sou uma das últimas coisas que ainda restam do que um dia foi. Em breve aquela história “do antes” e “do depois” não terá “o antes”. Por enquanto, o meu lugar é em um beco. E como diria alguém: em um beco sem saída. Até a primeira oportunidade para me retirar do mapa e apagar de vez todo o passado que um dia honrou a muitos. Não posso nem convidar ninguém para o meu último adeus, pois não sei quantos dias ou horas ainda me restam.
Acredito que aqueles que cresceram comigo gostariam de se manifestar. Talvez algo imperioso exija que o momento seja de cautela. Com lágrimas em meus olhos, eu penso bem baixinho: meu povo está feliz em, dentro de mais alguns instantes, “me chamar” de saudosa ou o momento é apenas algo passageiro que é capaz de fascinar apenas mentes incautas?
Por alguns instantes, uma voz, apenas de forma solitária, fez a seguinte pergunta: Mas, a Praça não é nossa? O idioma oficial dos meus vizinhos abre margem para múltiplas interpretações à luz de interesses que convém em cada momento. Apareceram várias respostas para a indagação e todas elas se diferenciavam apenas pela pontuação. Uma delas dizia o óbvio: A Praça não é nossa. A outra, em tom de réplica rebatia: A Praça, não! É nossa! Porém uma terceira pessoa em tom futurista, se imaginando quando eu não estiver mais por aqui e o meu nome for uma vaga lembrança, fez um adendo: A Praça não é [mais] nossa! Minha tréplica foi: De quem será? A que se destina? Devo me preparar para uma viagem com página única e me encontrar com a ilustre pessoa que me chamaram por anos? Com a palavra você, que lê a minha despedida.
Em tempo: a praça municipal de Jaru recebeu o nome de José Eustáquio da Costa e foi criada pela Lei nº 24, de 08 de novembro de 1985. José Eustáquio foi um exímio funcionário do Instituto Brasileiro do Café (IBC), autarquia criada pelo Governo Federal em 22 de dezembro de 1952 com funcionamento até 1989, ano em que foi extinta.
Fonte: Robert Muracami