Quando a primeira edição de “Admirável Mundo Novo” foi publicada por Aldous Huxley, em 1932, possivelmente poucos leitores imaginariam que um dia haveria um mundo virtual paralelo à realidade. Apesar da obra abordar questionamentos sobre a vida contemporânea e em relação aos desafios para o futuro da humanidade, ela continha um enredo baseado em uma sociedade futurista, o que pode ser comparado ao que acontecerá logo mais com o metaverso.
No livro, o autor do best-seller apresenta o “cinema sensível” como uma forma de lazer dos personagens. Enquanto assistiam aos filmes, os habitantes de Admirável Mundo Novo podiam experimentar as sensações reproduzidas na tela através de seus próprios sentidos, em uma experiência completamente interativa. Situação muito semelhante à proposta pela Realidade Aumentada.
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Espaço aberto para intenções diferenciadas
No entanto, o que se apresenta como um universo novo e totalmente interativo, também abre espaço para práticas ilícitas. Afinal, no metaverso inúmeras transações financeiras são realizadas, principalmente por meio de criptomoedas. Trata-se de um ambiente tão promissor que existe uma previsão de investimentos na ordem de US$ 800 bilhões na tecnologia até 2024, englobando todas as formas de interações.
Seja em jogos ou na compra de terrenos virtuais, os usuários dessa nova modalidade tecnológica precisam ficar atentos para não caírem em golpes. Afinal, mesmo sendo algo novo e totalmente inovador, também abriu espaço para ações de cibercriminosos que sempre criam meios para desviarem dados ou dinheiro.
De violência sexual à fraudes
De acordo com o professor do MBA in company da FGV e sócio do escritório Jorge Advogados, Victor Jorge, o metaverso é um ambiente que dá brechas para crimes contra a propriedade intelectual, fraude, violência moral, obscenidade, assédio, etc.
No entanto, os cibercriminosos identificados podem sofrer as punições contidas na legislação penal brasileira, tendo em vista que o metaverso não é sinônimo de impunidade.
“Portanto, o usuário poderá ser alvo e assediado pela sua raça, gênero, crenças, apoio a um time, sua escolha de Android ou Apple, posições políticas, e praticamente qualquer pensamento ou crença que decida expressar e tais condutas seguramente são relevantes do ponto de vista criminal”, disse o especialista.
De olho no seu avatar
No cenário internacional, já existem relatos de agressões sexuais que ocorreram nos primeiros dias do metaverso e até crianças que foram condenadas por tentativa de atentado terrorista contra um órgão público russo.
Além disso, há riscos referentes a roubo de informações, pois os usuários podem, sem saber, compartilhar dados confidenciais diretamente com um hacker, colocando seus ativos da vida real em risco.
Há ainda a problemática do roubo de identidade, fazendo com que o avatar de um usuário realize práticas maliciosas e também desvios de criptomoedas, que acontecem quando um cibercriminoso descobre as senhas para acessar carteiras de criptografia e NFT.
Dicas para se proteger
Diante dos riscos de serem vítimas de vários tipos de crimes, os usuários do metaverso precisam sempre agir com cautela, seja uma pessoa ou empresa.
A dica fundamental é conhecer esse universo antes de fazer uma investida, buscando parceiros que tenham credibilidade e recursos de segurança para operar nessa realidade virtual.
Para investidores, a orientação é realizar estudos preliminares para determinar quem são as pessoas por trás do protocolo, a segurança da rede, o registro único do terreno, a escassez e/ou funcionalidade da criptomoeda.
“Por exemplo, o SandBox está ‘plugado’ no blockchain da Ethereum que é um dos mais conhecidos e seguros protocolos do universo cripto. Além disso, no jogo SandBox somente existem 166.464 terrenos disponíveis, o que gera uma sensação de escassez e possível valorização de acordo com oferta e demanda. Ainda é necessário considerar, como na vida real, que o terreno a ser adquirido tenha uma boa localização, pois assim terá maior fluxo de usuários e provavelmente sofrerá maior valorização do que aqueles mais periféricos”, orienta Victor Jorge.
Ferramentas de segurança
A prevenção de possíveis problemas no metaverso passa por um check-list como já acontece em outras rotinas online.
Sempre é importante partir do básico, tendo cuidado com links suspeitos. Além disso, é imprescindível manter o antivírus e firewall sempre calibrados. E nunca divida senhas de acesso às wallets (físicas ou digitais).
“Fora isso, como é possível exercer os atos da vida civil, por exemplo, a negociação de contratos, por meio de avatares, a preocupação recai também sobre a destinação dos dados que são fornecidos no momento do cadastro para uso da plataforma, e/ou durante negociações virtuais com os estabelecimentos, como ao realizar o cadastro de CPF, endereço e demais dados pessoais em troca de descontos. Assim, os cuidados serão muito parecidos com aqueles que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) dispõe para as relações presenciais”, explica o advogado.
Estamos preparados para as relações jurídicas no ambiente metaverso?
Recentemente, o Facebook lançou, publicamente, a sua versão “meta”, passando um overview de como será a sua estrutura no ambiente metaverso. A partir daí, foram veiculadas na internet desde especulações até artigos realmente interessantes sobre o tema. Neste cenário, imprescindível cotejar a seguinte questão: estamos preparados?
“A internet não é o futuro, é o presente!”, revela-se como um clichê que ronda as publicações sobre o tema e a sua pertinência foi relativizada, pois a questão que se faz presente agora é: quão preparados nós estamos para mais avanços nessa área?
Membros do judiciário e operadores do direito em geral não conseguem fazer um período de julgamento sem que escape uma publicação advinda de um deslize cotidiano. Ao fazer uma pesquisa simples na rede, é possível visualizar algumas manchetes que demonstram audiências, julgamentos e rotinas internas em que um dos membros esquece a câmera ou microfone ligado, assim como colegas com problemas para acessar determinada audiência por não ter conhecimento técnico a respeito de um aplicativo ou acesso via link.
Instaura-se um paradoxo. De um lado, temos a referida realidade e, de outro, temos startups e outras empresas ganhando espaço no ambiente virtual. E mais, a cada ano é possível notar que é crescente a lista de jovens ricos, milionários e bilionários fora do ambiente artístico ou de esporte. Estávamos acostumados com uma situação na qual jovens dificilmente eram proprietários de empresas ou faziam investimentos, a própria tecnologia levava um tempo maior para se dissipar.
Hoje, ideias criativas e inovadoras estão fomentando um ambiente mais propício para que pessoas que nasceram na era digital se desenvolvam por algo que é natural para elas, smartphones, computadores, games.
No tocante a smartphones e computadores a aderência hoje já é maior, em todas as idades e, praticamente, em todos os segmentos. Por outro lado, em relação a games e criptomoedas ainda há uma certa resistência, que é natural, mas incumbe a nós, advogados e operadores do direito, forçar e fomentar essa discussão para que passagem para essa nova modalidade não aconteça de forma abrupta.
De acordo com PanoramaCrypto, “o termo metaverso remete a uma nova camada capaz de integrar o mundo real ao digital, por meio de tecnologias como realidade virtual ou aumentada, podendo também utilizar hologramas. Assim, em um jogo, por exemplo, o usuário tem experiências mais reais, o que aumenta sua motivação e engajamento”.
Nesse sentido, constata-se que o Direito Digital deve acompanhar as evoluções mencionadas, salientando-se, desde já, a existência de algumas relações jurídicas possíveis dentro do ambiente metaverso.
Considerando a circulação de mercadorias dentro do ambiente, pode ser discutido o cabimento de tributação nesse tipo de transação, mas por envolver Direito Tributário essa consolidação pode demorar um pouco mais para se consolidar. Nos outros ramos do direito, por sua vez, a aplicação tende a ser mais imediata. Ora, se teremos contratos, teremos a de construção do contrato, execução do contrato, inadimplemento do contrato e responsabilidade civil; proteção de dados, due diligence; Direito Imobiliário (compra e venda de terrenos dentro do ambiente); criação de novas profissões e a consequente alteração do paradigma das formas de contratação e fiscalização do contrato de trabalho. Logo, teremos impactos na parte preventiva e contenciosa do direito do trabalho, por exemplo. Neste contexto, sopesando o gancho entre o direito digital e o ambiente metaverso, é imperioso consignar que o operador do direito deparar-se-á com algumas hipóteses: será acionado como conselheiro de transações, atuando de forma preventiva, emitindo pareceres ou quando o imbróglio já estiver instaurado.
Os leitores hão de convir que para todas essas hipóteses, é salutar conhecer esse ambiente já que a premissa de ter condições técnicas para assessorar o cliente não será suficiente.
Com efeito, as relações serão muito mais dinâmicas e exigirão dos profissionais algo além da abordagem costumeira, haja vista que o advento do ambiente metaverso ocasionará aumento da circulação das moedas digitais.
Ante a celebração de contratos nesse ambiente, teremos a inadimplência como consequência lógica. Assim como acontece no mundo físico, teremos esses conflitos entre a busca de bens e a proteção patrimonial.
Entretanto, a título de exemplo, tem-se as moedas digitais. A terminologia já é conhecida, assim como a respectiva utilização. Ainda assim, as informações sobre criptomoedas ainda não são abrangidas pela pesquisa SISBAJUD, se o credor tiver interesse em obter tal confirmação, deve direcionar o seu pedido às corretoras de criptomoedas.
Ocorre que, na prática, o mecanismo entre as transações não é amplamente divulgado. E, não conhecendo o ambiente e as suas nuances, como o operador do direito lidará com essa e outras questões que farão parte do nosso cotidiano, a saber:
- Penhora de criptomoedas;
- Penhora de NFTs;
- Penhora de bens em geral existentes no ambiente metaverso;
- Penhora de ativos dentro de jogos online;
- Busca e apreensão de pen drive (tokens).
Em verdade, todas essas nuances ainda são objeto de estudo e discussões, inclusive governamentais. Todavia, até que sejam regulamentadas e amplamente difundidas essas questões, incumbe aos operadores do Direito o estudo da legislação vigente para posterior capacidade da mais adequada subsunção da norma aos casos em concreto.
Fonte: olhardigital.com.br, YouTube Renato Alves