Os jornalistas premiados pelo Nobel da Paz representam milhares de profissionais no mundo todo que enfrentam um momento particularmente desafiador. É uma categoria inteira de trabalhadores sob o ataque de chefes de estado com pretensões golpistas, totalitárias, que espalham fake news e acusam a imprensa de mentir.
É estranho quando a imprensa vira a manchete, mas o jornalismo volta e meia aparece como o alvo. A Repórteres Sem Fronteiras – uma das mais respeitadas ONGs em defesa da liberdade de informação – contou pelo menos 937 jornalistas assassinados nos últimos dez anos.
A imprensa foi esquartejada pela Arábia Saudita; queimada viva na Índia; enforcada no Irã. Teve jornalista que sobreviveu, mas sem a vida de antes.
O último relatório anual identificou 387 repórteres presos por seu trabalho – um número historicamente elevado. É um sintoma de um mundo que só não está pior também por causa da imprensa.
Os Repórteres Sem Fronteiras publicam, de tempos em tempos, uma lista de “predadores da liberdade de imprensa”. A ONG narra sequestros, ameaças, torturas e outros atos impensáveis. Ainda que cada predador tenha um método preferido, o propósito é o mesmo: evitar a qualquer custo uma crítica.
Ao longo dos anos, os Repórteres Sem Fronteira enxergaram outros “predadores da imprensa”. Uma lista que não tem gênero.
A mão pesada em Hong Kong, por exemplo, é feminina. A chefe do governo apoia abertamente políticas consideradas predatórias em relação à mídia.
Os Repórteres Sem Fronteiras chamam a atenção ainda para julgamentos injustos contra jornalistas turcos. Os tribunais já bloquearam o acesso a quase 3 mil notícias. O governo quer ainda ter um representante na direção de jornais.
A ONG já destacou uma mordaça na mídia da Hungria. E, no mês passado, declarou estado de emergência de liberdade de imprensa na Polônia, onde um jornalista pode pegar três anos de prisão por chamar o presidente de “idiota”.
Os Repórteres Sem Fronteiras afirmaram que Jair Bolsonaro dificulta a vida de jornalistas desde que virou presidente, mas que a agressividade atingiu novos níveis na pandemia. Segundo a ONG, a marca registrada dele é insultar e humilhar jornalistas críticos. Ele entrou para a lista de “predadores da imprensa” este ano.
O Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU declarou que o Nobel da Paz é uma homenagem a todos os jornalistas que estão fazendo um trabalho essencial. A valorização da imprensa é, de fato, uma ótima notícia.
Os jornalistas Maria Ressa e Dmitry Muratov ganharam o prêmio Nobel da Paz de 2021 por seus esforços para defender a liberdade de expressão, anunciou o comitê norueguês do Nobel na sexta-feira (8/10).
A entidade afirmou que Ressa e Muratov receberam o Nobel da Paz “pela corajosa luta” nas Filipinas e na Rússia, respectivamente, e que a liberdade de expressão “é uma pré-condição para a democracia e para uma paz duradoura”.
“[Os laureados] são representantes de todos os jornalistas que defendem este ideal em um mundo em que a democracia e a liberdade de imprensa enfrentam condições cada vez mais adversas”, afirmou Berit Reiss-Anderson, presidente do conselho do Nobel.
Os dois jornalistas ajudaram a fundar veículos de comunicação independentes em seus países e vão dividir o prêmio. Muratov é um dos fundadores de um jornal russo que já teve seis jornalistas assassinados.
“O jornalismo livre, independente e baseado em fatos serve para proteger contra o abuso de poder, mentiras e propaganda de guerra. O comitê norueguês do Nobel está convencido de que a liberdade de expressão e a liberdade de informação ajudam a garantir um público informado”, afirmou a instituição.
O comitê disse também que “esses direitos são pré-requisitos essenciais para a democracia e protegem contra guerras e conflitos” e que o prêmio para os jornalistas “visa salientar a importância de proteger e defender esses direitos fundamentais [as liberdades de expressão e informação]”.
Os outros vencedores do prêmio Nobel deste ano foram:
- Medicina: David Julius e Ardem Patapoutian
- Física: Syukuro Manabe, Klaus Hasselmann e Giorgio Parisi
- Química: Benjamin List e David MacMillan
- Literatura: Abdulrazak Gurnah
- Economia: David Card, Joshua Angrist e Guido Imbens
Os prêmios Nobel são concedidos por mais de uma entidade:
- Academia Real das Ciências da Suécia: prêmios de Física, de Química e de Economia
- Instituto Karolinska: Nobel de Fisiologia (Medicina)
- Academia Sueca: Nobel de Literatura
- Comitê Norueguês do Nobel: Nobel da Paz
Maria Ressa
Maria Ressa é cofundadora e diretora-executiva do Rappler (rappler.com), uma empresa de mídia digital de jornalismo investigativo nas Filipinas.
Segundo o comitê norueguês do Nobel, “Ressa usa a liberdade de expressão para expor o abuso de poder, o uso da violência e o crescente autoritarismo em seu país natal”.
“Rappler deu atenção à campanha assassina do regime de Duterte [o presidente da Filipinas]. O número de mortes é tão alto que parece uma guerra contra a própria população do país”, afirmou a porta-voz da entidade.
“Ressa e a Rappler mostram como as redes sociais são usadas para espalhar ‘fake news’, assediar oponentes e manipular o discurso público”, disse Berit Reiss-Anderson.
“Estou em choque”, afirmou a jornalista filipina em uma transmissão ao vivo pelo Rappler logo após o prêmio. “Nada é possível sem fatos”.
Dmitry Muratov
Dmitry Muratov é russo e um dos fundadores do jornal independente “Novaya Gazeta” (novayagazeta.ru), que já teve seis jornalistas mortos desde a sua fundação, em 1993.
Muratov é o editor-chefe do jornal desde 1995, e todas as mortes ocorreram depois que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, chegou ao poder.
“Desde o início do jornal, seis jornalistas foram assassinados, incluindo Anna Politkovskaya, que escreveu artigos reveladores sobre a guerra na Chechênia”, afirmou Berit Reiss-Anderson, presidente do conselho do Nobel.
“Apesar das mortes e ameaças, Muratov se recusou a abandonar a política independente do jornal”, destacou Reiss-Anderson. “[Muratov] há décadas defende a liberdade de expressão na Rússia, em condições cada vez mais desafiadoras”.
“O jornalismo baseado em fatos e a integridade profissional do ‘Novaya Gazeta’ a tornaram uma importante fonte de informações sobre aspectos censuráveis da sociedade russa raramente mencionados por outros meios de comunicação”, afirmou o comitê norueguês.
Governo russo
A porta-voz do Nobel destacou que, desde a sua fundação, a “Novaya Gazeta” publicou reportagens importantes que revelaram corrupção, violência policial, prisões arbitrárias, fraude eleitoral e o uso de forças militares russas dentro e fora do país.
“Os oponentes da ‘Novaya Gazeta’ responderam com assédio, ameaça, violência e assassinato”, afirmou Reiss-Anderson. “É o jornal mais independente da Rússia hoje, com uma atitude crítica em relação ao poder”.
Após o prêmio, o governo Putin afirmou que Muratov trabalha consistentemente de acordo com seus próprios ideais e que o jornalista é “corajoso e talentoso”.
Fonte: g1.com