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‘Geração digital’: por que, pela 1ª vez, filhos têm QI inferior ao dos pais
A Fábrica de Cretinos Digitais. Este é o título do último livro do neurocientista francês Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França, em que apresenta, com dados concretos e de forma conclusiva, como os dispositivos digitais estão afetando seriamente — e para o mal — o desenvolvimento neural de crianças e jovens.
“Simplesmente não há desculpa para o que estamos fazendo com nossos filhos e como estamos colocando em risco seu futuro e desenvolvimento”, alerta o especialista em entrevista à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
As evidências são palpáveis: já há um tempo que testes de QI (Quociente de Inteligência) têm apontado que as novas gerações são menos inteligentes que anteriores.
Desmurget acumula vasta publicação científica e já passou por centros de pesquisa renomados como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
Seu livro se tornou um best-seller gigantesco na França. Veja abaixo trechos da entrevista com ele.
BBC News Mundo: Os jovens de hoje são a primeira geração da história com um QI (Quociente de Inteligência) mais baixo do que a última?
Michel Desmurget: Sim. O QI é medido por um teste padrão. No entanto, não é um teste “estático”, sendo frequentemente revisado. Meus pais não fizeram o mesmo teste que eu, por exemplo, mas um grupo de pessoas pode ser submetido a uma versão antiga do teste.
E, ao fazer isso, os pesquisadores observaram em muitas partes do mundo que o QI aumentou de geração em geração. Isso foi chamado de ‘efeito Flynn’, em referência ao psicólogo americano que descreveu esse fenômeno. Mas recentemente, essa tendência começou a se reverter em vários países.
É verdade que o QI é fortemente afetado por fatores como o sistema de saúde, o sistema escolar, a nutrição, etc. Mas se considerarmos os países onde os fatores socioeconômicos têm sido bastante estáveis por décadas, o ‘efeito Flynn’ começa a diminuir.
Nesses países, os “nativos digitais” são os primeiros filhos a ter QI inferior ao dos pais. É uma tendência que foi documentada na Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda, França, etc.
BBC News Mundo: E o que está causando essa diminuição no QI?
Desmurget: Infelizmente, ainda não é possível determinar o papel específico de cada fator, incluindo por exemplo a poluição (especialmente a exposição precoce a pesticidas) ou a exposição a telas. O que sabemos com certeza é que, mesmo que o tempo de tela de uma criança não seja o único culpado, isso tem um efeito significativo em seu QI. Vários estudos têm mostrado que quando o uso de televisão ou videogame aumenta, o QI e o desenvolvimento cognitivo diminuem.
Os principais alicerces da nossa inteligência são afetados: linguagem, concentração, memória, cultura (definida como um corpo de conhecimento que nos ajuda a organizar e compreender o mundo). Em última análise, esses impactos levam a uma queda significativa no desempenho acadêmico.
BBC News Mundo: E por que o uso de dispositivos digitais causa tudo isso?
Desmurget: As causas também são claramente identificadas: diminuição da qualidade e quantidade das interações intrafamiliares, essenciais para o desenvolvimento da linguagem e do emocional; diminuição do tempo dedicado a outras atividades mais enriquecedoras (lição de casa, música, arte, leitura, etc.); perturbação do sono, que é quantitativamente reduzido e qualitativamente degradado; superestimulação da atenção, levando a distúrbios de concentração, aprendizagem e impulsividade; subestimulação intelectual, que impede o cérebro de desenvolver todo o seu potencial; e o sedentarismo excessivo que, além do desenvolvimento corporal, influencia a maturação cerebral.
BBC News Mundo: Que dano exatamente as telas causam ao sistema neurológico?
Desmurget: O cérebro não é um órgão “estável”. Suas características ‘finais’ dependem da nossa experiência. O mundo em que vivemos, os desafios que enfrentamos, modificam tanto a estrutura quanto o seu funcionamento, e algumas regiões do cérebro se especializam, algumas redes são criadas e fortalecidas, outras se perdem, algumas se tornam mais densas e outras mais finas.
Observou-se que o tempo gasto em frente a uma tela para fins recreativos atrasa a maturação anatômica e funcional do cérebro em várias redes cognitivas relacionadas à linguagem e à atenção.
Deve-se ressaltar que nem todas as atividades alimentam a construção do cérebro com a mesma eficiência.
BBC News Mundo: O que isso quer dizer?
Desmurget: Atividades relacionadas à escola, trabalho intelectual, leitura, música, arte, esportes… todas têm um poder de estruturação e nutrição muito maior para o cérebro do que as telas.
Mas nada dura para sempre. O potencial para a plasticidade cerebral é extremo durante a infância e a adolescência. Depois, ele começa a desaparecer. Ele não vai embora, mas se torna muito menos eficiente.
O cérebro pode ser comparado a uma massa de modelar. No início, é úmida e fácil de esculpir. Mas, com o tempo, fica mais seca e muito mais difícil de modelar. O problema com as telas é que elas alteram o desenvolvimento do cérebro de nossos filhos e o empobrecem.
BBC News Mundo: Todas as telas são igualmente prejudiciais?
Desmurget: Ninguém diz que a “revolução digital” é ruim e deve ser interrompida. Eu próprio passo boa parte do meu dia de trabalho com ferramentas digitais. E quando minha filha entrou na escola primária, comecei a ensiná-la a usar alguns softwares de escritório e a pesquisar informações na internet.
Os alunos devem aprender habilidades e ferramentas básicas de informática? Claro. Da mesma forma, pode a tecnologia digital ser uma ferramenta relevante no arsenal pedagógico dos professores? Claro, se faz parte de um projeto educacional estruturado e se o uso de um determinado software promove efetivamente a transmissão do conhecimento.
Porém, quando uma tela é colocada nas mãos de uma criança ou adolescente, quase sempre prevalecem os usos recreativos mais empobrecedores. Isso inclui, em ordem de importância: televisão, que continua sendo a tela número um de todas as idades (filmes, séries, clipes, etc.); depois os videogames (principalmente de ação e violentos) e, finalmente, na adolescência, um frenesi de autoexposição inútil nas redes sociais.
BBC News Mundo: Quanto tempo as crianças e os jovens costumam passar em frente às telas?
Desmurget: Em média, quase três horas por dia para crianças de 2 anos, cerca de cinco horas para crianças de 8 anos e mais de sete horas para adolescentes.
Isso significa que antes de completar 18 anos, nossos filhos terão passado o equivalente a 30 anos letivos em frente às telas ou, se preferir, 16 anos trabalhando em tempo integral!
É simplesmente insano e irresponsável.
BBC News Mundo: Quanto tempo as crianças devem passar em frente a telas?
Desmurget: Envolver as crianças é importante. Elas precisam ser informados de que as telas danificam o cérebro, prejudicam o sono, interferem na aquisição da linguagem, enfraquecem o desempenho acadêmico, prejudicam a concentração, aumentam o risco de obesidade, etc.
Alguns estudos mostram que é mais fácil para crianças e adolescentes seguirem as regras sobre telas quando sua razão de ser é explicada e discutida com eles. A partir daí, a ideia geral é simples: em qualquer idade, o mínimo é o melhor.
Além dessa regra geral, diretrizes mais específicas podem ser fornecidas com base na idade da criança. Antes dos seis anos, o ideal é não ter telas (o que não significa que de vez em quando você não possa assistir a desenhos com seus filhos).
Quanto mais cedo forem expostos, maiores serão os impactos negativos e o risco de consumo excessivo subsequente.
A partir dos seis anos, se os conteúdos forem adaptados e o sono preservado, o tempo em frente à tela pode chegar até meia hora ou até uma hora por dia, sem uma influência negativa apreciável.
Outras regras relevantes: sem telas pela manhã antes de ir para a escola, nada à noite antes de ir para a cama ou quando estiver com outras pessoas. E, acima de tudo, sem telas no quarto.
Mas é difícil dizer aos nossos filhos que as telas são um problema quando nós, como pais, estamos constantemente conectados aos nossos smartphones ou consoles de jogos.
BBC News Mundo: Por que muitos pais desconhecem os perigos das telas?
Desmurget: Porque a informação dada aos pais é parcial e tendenciosa. A grande mídia está repleta de afirmações infundadas, propaganda enganosa e informações imprecisas. A discrepância entre o conteúdo da mídia e a realidade científica costuma ser perturbadora, se não enfurecedora. Não quero dizer que a mídia seja desonesta: separar o joio do trigo não é fácil, mesmo para jornalistas honestos e conscienciosos.
Mas não é surpreendente. A indústria digital gera bilhões de dólares em lucros a cada ano. E, obviamente, crianças e adolescentes são um recurso muito lucrativo. E para empresas que valem bilhões de dólares, é fácil encontrar cientistas complacentes e lobistas dedicados.
Recentemente, uma psicóloga, supostamente especialista em videogames, explicou em vários meios de comunicação que esses jogos têm efeitos positivos, que não devem ser demonizados, que não jogá-los pode ser até uma desvantagem para o futuro de uma criança, que os jogos mais violentos podem ter ações terapêuticas e ser capaz de aplacar a raiva dos jogadores, etc.
O problema é que nenhum dos jornalistas que entrevistaram essa “especialista” mencionou que ela trabalhava para a indústria de videogames. E este é apenas um exemplo entre muitos descritos em meu livro.
Isso não é algo novo: já aconteceu no passado com o tabaco, aquecimento global, pesticidas, açúcar, etc.
Mas acho que há espaço para esperança. Com o tempo, a realidade se torna cada vez mais difícil de negar.
BBC News Mundo: Há estudos que afirmam, por exemplo, que os videogames ajudam a obter melhores resultados acadêmicos…
Desmurget: Digo com franqueza: isso é um absurdo.
Essa ideia é uma verdadeira obra-prima de propaganda. Baseia-se principalmente em alguns estudos isolados com dados imprecisos, que são publicados em periódicos secundários, pois muitas vezes se contradizem.
Em uma interessante pesquisa experimental, consoles de jogos foram dados a crianças que iam bem na escola. Depois de quatro meses, elas passaram mais tempo jogando e menos fazendo o dever de casa. Suas notas caíram cerca de 5% (o que é muito em apenas quatro meses!).
Em outro estudo, as crianças tiveram que aprender uma lista de palavras. Uma hora depois, algumas puderam jogar um jogo de corrida de carros. Duas horas depois, foram para a cama.
Na manhã seguinte, as crianças que não jogaram lembravam cerca de 80% da aula em comparação com 50% das que jogaram.
Os autores descobriram que brincar interferia no sono e na memorização.
BBC News Mundo: Como o Sr. acha que os membros dessa geração digital serão quando se tornarem adultos?
Desmurget: Costumo ouvir que os nativos digitais sabem “de maneira diferente”. A ideia é que embora apresentem déficits linguísticos, de atenção e de conhecimento, são muito bons em “outras coisas”. A questão está na definição dessas “outras coisas”.
Vários estudos indicam que, ao contrário das crenças comuns, eles não são muito bons com computadores. Um relatório da União Europeia explica que a baixa competência digital impede a adoção de tecnologias educacionais nas escolas.
Outros estudos também indicam que eles não são muito eficientes no processamento e entendimento da vasta quantidade de informações disponíveis na internet.
Então, o que resta? Eles são obviamente bons para usar aplicativos digitais básicos, comprar produtos online, baixar músicas e filmes, etc.
Para mim, essas crianças se assemelham às descritas por Aldous Huxley em seu famoso romance distópico Admirável Mundo Novo: atordoadas por entretenimento bobo, privadas de linguagem, incapazes de refletir sobre o mundo, mas felizes com sua sina.
BBC News Mundo: Alguns países estão começando a legislar contra o uso de telas?
Desmurget: Sim, especialmente na Ásia. Taiwan, por exemplo, considera o uso excessivo de telas uma forma de abuso infantil e aprovou uma lei que estabelece multas pesadas para pais que expõem crianças menores de 24 meses a qualquer aplicativo digital e que não limita o tempo de tela de meninos e meninas entre 2 e 18 anos.
Na China, as autoridades tomaram medidas drásticas para regulamentar o consumo de videogames por menores: crianças e adolescentes não podem mais brincar à noite (entre 22h e 8h) ou ultrapassar 90 minutos de exposição diária durante a semana (180 minutos nos finais de semana e férias escolares).
BBC News Mundo: O Sr. acredita que é bom que existam leis que protegem as crianças das telas?
Desmurget: Não gosto de proibições e não quero que ninguém me diga como criar minha filha. No entanto, é claro que as escolhas educacionais só podem ser exercidas livremente quando as informações fornecidas aos pais são honestas e abrangentes.
Acho que uma campanha de informação justa sobre o impacto das telas no desenvolvimento com diretrizes claras seria um bom começo: nada de telas para crianças de até seis anos de idade e não mais do que 30-60 minutos por dia.
BBC News Mundo: Se essa orgia digital, como você a define, não para, o que podemos esperar?
Desmurget: Um aumento das desigualdades sociais e uma divisão progressiva da nossa sociedade entre uma minoria de crianças preservadas desta “orgia digital” — os chamados alfas do livro de Huxley —, que possuirão, através da cultura e da linguagem, todas as ferramentas necessárias pensar e refletir sobre o mundo, e uma maioria de crianças com ferramentas cognitivas e culturais limitadas — os chamados gamas na mesma obra —, incapazes de compreender o mundo e agir como cidadãos cultos.
Os alfas frequentarão escolas particulares caras com professores humanos “reais”. Já os gamas irão para escolas públicas virtuais com suporte humano limitado, onde serão alimentados com uma pseudo-linguagem semelhante à “novilíngua” de (George) Orwell (em 1984) e aprenderão as habilidades básicas de técnicos de médio ou baixo nível (projeções econômicas dizem que este tipo de emprego será super-representados na força de trabalho de amanhã).
Um mundo triste em que, como disse o sociólogo Neil Postman, eles vão se divertir até a morte. Um mundo no qual, através do acesso constante e debilitante ao entretenimento, eles aprenderão a amar sua servidão. Desculpe por não ser mais otimista.
Talvez (e espero que sim) eu esteja errado. Mas simplesmente não há desculpa para o que estamos fazendo com nossos filhos e como estamos colocando em risco seu futuro e desenvolvimento.
Pesquisa mostra que 86% dos jovens americanos querem se tornar influenciadores nas redes sociais
‘Influencers’ mirins: a vida de uma geração presa ao celular
Com milhares de seguidores e a atenção de grandes marcas, crianças contam suas rotinas online. Mas especialistas alertam sobre os riscos da cultura de ´’likes’
“Meu primeiro celular foi bem tarde, com 9 ou 10 anos, mas nunca usei muito. Passo só de 5 a 6 horas por dia com ele”, diz Julia Pereira, uma catarinense de 12 anos. Ela é uma das mais de 24 milhões de crianças e adolescentes brasileiros (o equivalente a 82% da população de jovens do país, de acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil) que vivem conectados. Mas Julia tem algo a mais: conhecida na Internet como Julia Jubz, ela faz parte do seleto, mas crescente grupo de influenciadores digitais mirins, que mantêm canais no YouTube e perfis no Facebook e no Instagram, atraindo a atenção de milhares de seguidores —e de empresas com “mimos” para merchandising—.
Apesar de garantir que não é “muito ligada” no mundo online e que poderia passar três dias sem bateria no smartphone, Julia, que tem 354.000 seguidores em seu canal no YouTube, grava os vídeos com o celular na mão. Ela também administra o perfil no Instagram, com quase 80.000 followers. “Antes de postar o primeiro vídeo, há um ano, meu canal já tinha 200 seguidores. Aí percebi que poderia ser uma influencer“, conta. “Eu que faço o conteúdo, mas sempre consulto meus pais e meus irmãos”, acrescenta. Nas suas redes, ela dá dicas de maquiagem, posta brincadeiras e desafios com os irmãos e mostra sua rotina.
Algo parecido aconteceu com o goiano Ernani Coelho, de 11 anos. Como parte do processo para se recuperar de uma depressão —que surgiu depois que quebrou o braço, aos 9 anos, e que passou por quatro cirurgias— ele começou a posar para a irmã fotógrafa. Quando postou a primeira foto no Instagram, em 2016, dormiu com 10 seguidores e acordou com 10.000. Hoje, são 38.000. O sucesso instantâneo rendeu-lhe o prêmio de Maior Influenciador Mirim naquele ano, além de trabalhos como modelo e contratos de marketing com grandes marcas de moda. “Eu sempre gostei de tirar fotos e sempre acompanhei muitos youtubers, então tinha vontade de fazer algo assim”, conta para o EL PAÍS em uma entrevista por Skype, em um tablet, mas sem tirar as mãos e os olhos do celular.
Ernani ganhou o primeiro aparelho aos 9 anos e, segundo sua mãe, Luciana Moreira, passava quase 24 horas com ele na mão. “Às vezes, nem queria almoçar para passar mais tempo conectado”, conta ela. Quando o filho virou influencer, a rotina mudou. “Sou eu que controlo as contas nas redes sociais, até mesmo para bloquear usuários inapropriados, principalmente homens, e moderar os comentários. O celular de Ernani é bloqueado. Só tem acesso a jogos e um WhatsApp familiar”, diz.
Já Amanda Carvalho, paulistana de 13 anos, é a responsável por administrar o próprio canal no YouTube, Vida de Amy, e seu perfil no Instagram, somando mais de meio milhão de seguidores. Para ela, que nasceu com deficiência auditiva, mas é uma surda oralizada, o primeiro celular, aos 7 anos, foi uma forma de refugiar-se do bullying que sofria no playground do condomínio. Com ele, descobriu o YouTube e veio a vontade de criar o próprio canal, que se concretizou aos 9 anos, depois de muitas negativas por parte da mãe. “A vida dela era estudar, passear comigo e ficar no celular. No final, ela insistiu tanto para ter o canal, que acabei deixando”, conta Scheilla Carvalho em videoconferência desde Orlando, na Califórnia, para onde se mudaram há seis meses.
Amanda criou o canal em 2014 para mostrar os presentes e brinquedos que ganhava —típicos de uma criança de classe média alta— e logo passou a gravar vídeos sobre seus passeios em parques de diversão, viagens ao exterior e outros aspectos de sua rotina. Não demorou para que a youtuber transformasse o conteúdo em um livro, Vida de Amy – a diversão e a imaginação não têm limites, esgotado em algumas das maiores livrarias do país. “Minha filha já chegou a ganhar mais do que eu, que tenho duas faculdades e um mestrado”, comenta Scheilla.
Mas Amanda conta que nem sempre quer gravar vídeos mais. Prefere alimentar o perfil do Instagram com fotos e stories. “Fico muito no celular, mas nem posto tanto nas redes, só faço mais stories básicos. Uso muito para falar com os amigos, para fazer Snapchat com eles. Depende do meu mood (humor, em inglês). Mas eu realmente uso [o smartphone] o dia inteiro. Quando acaba a bateria, já dá aquele desespero”, confessa. Ela se preocupa, no entanto, em separar sua vida online da vida real. “Entendo que são coisas totalmente diferentes. Na escola, por exemplo, prefiro que meus colegas não saibam que sou uma influencer digital”.
Os riscos da cultura de likes
Scheilla Carvalho conta que quando a filha tinha 11 anos conversou com ela sobre o poder e os riscos da internet. “Falo muito sobre a responsabilidade de ser uma influenciadora, principalmente para um público jovem. Não quero que ela se exponha de uma maneira hipersexualizada, como fazem outras meninas dessa idade. Ela não é uma escrava em busca de likes. Eu me preocupo com isso mais do que ela”, diz.
Luciana Moreira também se preocupa em respeitar os limites do filho influencer mirim. Ela critica os responsáveis e agências que trabalham com essas crianças Não tenho medo de gerar frustração, ele está fazendo o que ele gosta. E eu trabalho no tempo dele. “Algumas dessas crianças têm agendas muito pesadas, fazem sessões de fotos em que têm que ficar sem comer nem beber água para a barriga não ficar inchada. Outros fazem 100 abdominais antes das fotos. Eu nunca quis fazer isso com meu filho”. Ela diz que não teme a possibilidade de que Ernani se frustre com a busca de seguidores e atenção nas redes. “Acho que isso não vai acontecer, ele está simplesmente fazendo o que gosta”.
Especialistas em psicologia infantil e redes sociais alertam, no entanto, que mesmo a supervisão parental não isenta os jovens de sofrer as consequências da cultura de likes. “O celular e a internet nos viciaram em recompensas rápidas, e o like é uma delas. Ele representa a satisfação da expectativa de reconhecimento alheio para que o indivíduo se sinta importante, pertencente a um grupo. As crianças passam a não se valorizarem por si mesmas, o que gera frustração e pode levar até a uma depressão”, explica a psicóloga da infância Ana Flávia Fernandes, autora do blog Terapia de Criança.
Outros risco são os problemas de compreensão cognitiva e de desenvolvimento da identidade. “É como se a tela do celular fosse como um espelho para eles”, acrescenta Evelyn Eisenstein, pediatra especialista no consumo de novas tecnologias. As especialistas explicam que, enquanto os adolescentes se questionam se o “eu” representado nas redes sociais é verdadeiro, as crianças expostas a esse mundo digital sequem chegar a formar a própria identidade.
É consenso entre as sociedades internacionais de Psicologia que o tempo recomendável de exposição a telas (celulares, tablets, televisão, videogames etc) para crianças é de no máximo uma hora até os 6 anos de idade; duas horas até os 12 anos e, depois, no máximo quatro horas por dia. “Mas a dependência não se caracteriza só pela quantidade de horas que se passa online e, sim, pela qualidade de convívio. O problema é que há uma dissociação cognitivo-afetiva: elas perdem a capacidade de expressar suas emoções para além do uso dos emojis”, matiza Eisenstein.
Embora concordem que tirar o celular das crianças é um tema “delicado”, ambas propõem uma abordagem que pode ser considerada ainda mais “radical”: não dar os aparelhos a elas, já que não são necessários. Demoramos 50 anos para provar que a nicotina provoca câncer. Com a internet, já estamos vendo claramente seus riscos. A vida se tornou quantos likes você tem”, lamenta a pediatra.
Amanda Carvalho —ou Amy— se diz pronta para parar de contá-los. “Acho que vou deixar de ser influencer em algum momento, quero fazer outras coisas”, afirma. “Mas jamais abandonaria o celular. Não posso viver sem ele”, afirma, aos risos.
Fonte: Robert Muracami, facebook.com/carolcapeloficial, bbc.com, brasil.elpais.com